domingo, 6 de maio de 2012

Artista

Cresci querendo ser artista. Não que eu ache que há algum glamour nisso, porque, de onde venho, querer ser artista pega mal para caramba! Tenho amigos que são doutores em muita coisa, bem-sucedidos em sei lá o quê, concluindo alguma pós em gestão de qualquer coisa. E eu? Bem-sucedida professora de Língua Portuguesa, ainda querendo ser atriz. Posso? Ouvi outro dia da Bia Oliveira, pessoa que admiro profundamente: "a sala de aula é o nosso palquinho". E a gente pode ter o direito de não ter um palquinho, mas um palco de verdade, com toda a correria das coxias e aquela oração que termina com "quebrem a perna, todos!!!"? Quem faz gestão não entende... Mas, sabe de uma coisa, quando foi que eu resolvi me encaixar nesse mundo de gente normal que quer mostrar serviço, se eu não nasci normal? Minha tribo é outra: "Eu sou da tribo do abraço", citando meu querido Cazuza, mais uma vez... Continuo sendo a menina de 14 anos, com cabelos vermelhos e mechas azuis ( e digito esse texto, agora com 30 anos, de cabelos vermelhos e unhas azuis). Os normais tentaram me convencer, mas continuo com os mesmos sentimentos, as mesmas paixões, as mesmas revoltas, as mesmas cores... Sinto pena é de quem não tem paixão na vida e vai fazer "administração", educação física", "direito", "estatística" e, até mesmo, "letras", por não se apaixonar por coisa alguma.
Passei um tempo querendo ser reconhecida por escrever bem, por ser intelectualmente aceitável, por ter profundidade de pensamentos e vocabulários. Bobagem! Queria mesmo era ser reconhecida como a artista que sempre sonhei: pelas aulas de canto, música, dança, interpretação, por ser uma menina classe média-de-origem-suburbana que conseguiu fazer tanta coisa que ama-e  amar tanto o que faz!
E, apesar do tamanho e da cara de garota, não dá mais para fazer o papel da menina de 15 anos, porque alguma coisa me acusa a face: o tempo, que, irremediavelmente, diz a todos o que eu já sei - não sou mais a mesma!
Sou esse ser maduro, cheio de dor, com um monte de sonhos entalados na garganta, querendo tomar conta do espaço, querendo fazer diferença na existência mísera que é o ser de um ser humano frustrado e cansado que virou adulto, irreconhecível, chateado, sem berço, sem investimento, sem tempo, sem cor do sol, sem drenagem linfática, sem o amado balé, com a tortura de uma coluna que dói devido à luta e à falta do jazz...
Mas um dia chega um pouco de dinheiro e, com ele, um pouco de esperança... E quem disse que ele não traz felicidade? Uma pessoa burra, retardada, medíocre, burguesa da zona sul, é claro...
Mas eu, menina-mulher-zona oeste, descobri, depois de muito me revoltar, que há, sim, a possibilidade de ser a menina de 14 anos que eu sempre quis ser, voltando ao meu palco, retomando o meu lugar e sendo, finalmente, muito feliz, com a linguagem, a escrita, o canto, a interpretação, a minha querida Língua Portuguesa que, no fim das contas, proporcionou-me tudo o que sonhei. Ironia sem fim: nada nesta vida é por acaso mesmo; damos voltas e não saímos do lugar. Eu não saí...

3 comentários:

Bia Oliveira disse...

Sempre...esse caminho e redondo, ciclico e magico...os artistas se reencontram e fazem a vida ficar com 15 anos sempreeee!!!
Bom retorno, beijos

Marcela Bittencourt disse...

Menina, que bom ler isso!
Não sei se pelo meu momento atual, ou se pela sua história, fiquei muito feliz em ver que, realmente, a "estrada vai além do que se vê." Parabéns pela volta! Ocupe o lugar que é seu! Por direito! Não vou dizer que estou na platéia para o "seu dia nascer feliz", pois pretendo estar, também, sob as luzes do palco... O que não me impede de te aplaudir, bem forte!! Muito bom esse lugar aqui!! :) Saudades!

Paulinho Paiakan Aguiar disse...

O caminho trilhado pelo Homem é o caminho que ele escolhe. O livre arbítrio não é religião, é um direito. Mas só alguns sabem usa-lo. ;)
Fazer o que se ama é um privilégio daqueles que acreditam em seus ideais e potenciais!