sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Não divida

Sentir-se só é uma constante que dificilmente passará.
Haverá alguns momentos em que compartilhará alegrias. Principalmente alegrias.
Porque, na dor e nas nossas inevitáveis falhas e sentimentos pequenos, é muito difícil encontrar solidariedade e comunhão.
Há sentimentos que são únicos e impronunciáveis. Simplesmente indivisíveis.
Dividir absolutamente tudo e receber compreensão é um céu inalcançável.
Não divida. Guarde.
Não seja. Finja.
E, cansado, ceda ao fato de ser adulto (e, por isso, não poder falar o que sente).
Ceda ao fato de que sua paixão inflamada e eterna deve ser diminuída e podada.
Tranque-se, pássaro engaiolado, em tudo que não deve dizer ou sentir.
Tenha sensações ocultas de raiva, lamentação e solidão.
E não esqueça: não divida.
Você deve ser perfeito para ser compreendido e apoiado pelo mundo.
Tenha, sozinho, pensamentos rodrigueanos de ciúme e homicídio.
E, quando estiver com a faca cravada em alguma carne apodrecida e perguntarem, cinicamente, por quê, responda:
Não fui eu. Nada sinto.

Descrente

Há os momentos de grito entalado e de saber-me tão pequena e impotente, como formiga diante de girafas e elefantes.
Hei de me saber e conhecer o meu lugar.
Hei de me decepcionar e engolir saliva seca, que mal chega à garganta inflamada.
E de sentir uma dor que ninguém sente, uma solidão personalíssima, exclusivamente minha e incompreensível para quem não está em mim.
Não há ninguém em mim que não seja eu: verdade dura e indelével.
Cansada de ser só em minhas pequeninas vontades de ser melhor e de agradar (a todos e a Deus).
Haveria sonhos lindos em mim.
Mas todo sonho é utopia de seu sonhador - os meus não são diferentes. infelizmente.
Amo e me canso de amar além da minha competência.
Meu amor ilimitado é limitado pela justiça dos homens e pelos acordos dos céus.
E, por finalmente perceber isso, eu, antes tão temente e preenchida de fé, torno-me cada vez mais descrente de tudo que há em cima da minha cabeça e embaixo dos meus pés.
Peço piedade e um pouco de compaixão àquilo que não creio mais e me revolta pelos desgostos desnecessários sofridos.
Sou mera operária dos fortes e prepotentes.
Em tudo.
A vida é de quem faz doer.

Ao filho que eu não tive...

Ao filho que não tive, pensamentos constantes de amor e essa saudade imensa do que não vivemos.
ou será que vivemos em algum plano desses, que só Deus sabe?
Espero ter podido abraçá-lo em qualquer lugar ou época, porque sinto a falta de todos os sorrisos que não vi ou vivi com ele.
Queria vê-lo lambuzar-se com a papinha e fazer coisas engraçadas e fofas de neném.
Queria ter podido vê-lo cair num soninho calmo, sentindo-se protegido com a minha presença.
Ao filho que não tive, todo o amor que tenho para dar e mais todo o amor que precisasse, pois buscaria mais em cada estrela, se pudesse.
Ao filho que eu não conheci, que nem soube ser menino ou menina, o melhor de mim, com a sinceridade mais profunda da minha alma.
Ao filho que não tive, minha dor e minha lembrança infinitas...

Morte

Já me conformei com a morte inevitável.
Eu, deixando de existir, aos poucos, para você.
Eu, ser cujas parafernálias insignificantes são pó, perto de seus inúmeros afazeres de dedicação.
Eu, que sou só, e serei sempre assim, errante menina sufocante - e sufocada - pelo sonho que não teve direito de sonhar.
Eu, menina pouca, curta menina, pequena, baixa, aprendiz.
Eu nasci para sorrir esperança e morrer sonhos (todos se vão).
Eu, que sinto a falta da compreensão - não sinto falta da depressão...
Eu, menina que morre, calada em seu leito, aconchegada em seu próprio peito, que não fabrica o leite de mãe.
Eu, sem filho, sem lar, sem fé.
Perdida sem o que sou.
Menina do sorriso cansado, mulher desesperançada, rindo de si mesma - como coitada.

Se eu morrer...

(Para Paulinho)

 
Se eu morrer, deixo para você o meu amor
Deixo as flores que me deu com toda a alegria que senti
Deixo a você o que eu tenho de melhor, para fazê-lo sorrir
Eu deixo o perfume e a lembrança mais linda
Tudo de melhor sempre foi para você - e com você...
Se você me deixar ou não me entender
Se você não me olhar ou me ofender, ainda assim, o que é melhor é seu
O que eu tenho de bom é para você
Porque minha alma está condicionada ao seu sorriso
Se ele não existe, não há vida em mim
Sequer há alguma existência para chamar de "eu"
Porque sou sua
Em prosa e poesia
Se eu morrer e se eu viver...